A pequena Lunna Luisa Costa, 2, de Caruaru, Pernambuco, é uma menina doce e encantadora, mas nasceu com uma particularidade: não consegue sorrir ou piscar. Ela foi diagnosticada com a síndrome de Moebius, uma condição neurológica rara que afeta os nervos responsáveis pelos movimentos do rosto. "Já desconfiava que algo estava errado desde o dia do nascimento", admite a mãe, a dona de casa Ana Cristina da Silva Costa, 40, em entrevista à Revista CRESCER.
A mãe conta que, durante a gestação, não houve nenhuma suspeita da síndrome. Quando a garotinha nasceu, em 19 de agosto de 2023, a mãe disse que a filha não conseguia mamar.
"Ela também tinha pé torto congênito e, a princípio, quando chorava, um lado do rosto fazia careta e o outro não", explica.
Na época, os médicos não deram atenção. "Mas, ela não conseguia mamar, começou a tomar um pouco de fórmula. Só no terceiro dia, após insistir muito, ela mamou. Então, recebeu alta, pois tinha conseguido pegar o peito. Em casa, eu fiquei tentando, mas ela foi perdendo peso", conta.
Quando Lunna completou 16 dias, Ana resolveu levá-la a um postinho de saúde. "Eu já tenho outros filhos e o jeito dela é diferente", afirma. Ela reparou que, além da dificuldade de mamar, a filha não conseguia sorrir e só piscava, às vezes, com um lado do rosto. Ela foi imediatamente encaminhada para um ortopedista e um neuropediatra. O ortopedista começou com um tratamento para o pé torto congênito, com gessos, e o neuro estranhou a perda de peso da menina. A mãe foi encaminhada para um hospital em Recife, para investigar o caso.
'Fiquei anestesiada naquele momento'
Na capital pernambucana, Lunna foi atendida por um médico que logo suspeitou da síndrome de Moebius. "Eu fiquei anestesiada naquele momento. Eu chorei, sofri", lembra a mãe. Enquanto o diagnóstico ainda não estava fechado, Lunna passou a ser alimentada por sonda. Pesquisando sobre a condição, a mãe descobriu que não era como imaginava. "Vi que era muita questão de estética, mas que ela se desenvolveria muito bem", explica.
Lunna passou por exames para eliminar outras condições, incluindo uma ressonância, mas todos voltaram normais. O diagnóstico foi confirmado aos 10 meses. No entanto, a condição afetava apenas um lado do rosto. "Não foi fácil, mas eu já tinha chorado, já tinha sofrido, já tinha me acostumado", conta a mãe. Com o laudo em mãos, Lunna começou a fazer terapia ocupacional e fisioterapia motora.
Nessa mesma época, a mãe também reparou que a filha tinha crises de sonolência, em que era quase impossível acordá-la. Ela resolveu filmar um dos episódios e o médico explicou que se tratavam de crises de epilepsia. Lunna passou a tomar remédio oral. Os médicos também estão avaliando uma suspeita de autismo.
Desenvolvimento de Lunna
Hoje, aos 2 anos, Lunna tem se desenvolvido muito bem, graças às terapias. "Em relação à síndrome, a única coisa que atrapalha é a questão de não fechar o olho e não olhar para as laterais. À noite, ela fica com o olho um pouco aberto, sempre estou fechando. Durante o dia, os olhinhos ficam lacrimejando, porque não fecham. Ela faz acompanhamento em um hospital em Recife", conta Ana. O pé torto já está praticamente resolvido, precisando usar apenas uma órtese. A mãe ainda enfrenta desafios com a alimentação, pois a pequena rejeita alguns alimentos. "Eu acredito que isso aconteça por conta da seletividade alimentar", esclarece.
Repercussão nas redes
Recentemente, Ana começou a publicar vídeos no TikTok falando sobre a síndrome de Moebius e tem feito o maior sucesso, alcançando milhares de visualizações e acumulando quase 10 mil seguidores. "Eu não tenho com quem conversar sobre isso, também não sabia nada sobre a síndrome antes", afirma.
Desde então, ela tem contribuído para conscientizar sobre a condição. A mãe também recebeu muitos relatos de pessoas que cresceram com a síndrome. "Tem pessoas que são enfermeiras, tem pessoas que são advogadas... São pessoas que se desenvolvem super bem", finaliza.
O que é a síndrome de Moebius?
A síndrome de Moebius é uma condição rara que compromete principalmente os nervos responsáveis pelos movimentos do rosto e dos olhos. Isso faz com que a pessoa possa nascer com paralisia facial — apresentando dificuldade para sorrir, franzir a testa ou fechar os olhos completamente — e também com limitação nos movimentos laterais dos olhos. A prevalência da síndrome varia de 1 a cada 50 mil a 500 mil nascimentos, dependendo do estudo.
As causas podem ser variadas. Em alguns casos, estão relacionadas a fatores ambientais, como o uso de determinados medicamentos ou alterações na circulação sanguínea durante a gestação, que afetam o desenvolvimento dos nervos cranianos no cérebro do feto. Há ainda situações em que a síndrome é consequência de alterações genéticas específicas — mais raras, mas possíveis, sobretudo em famílias com histórico da condição. No entanto, o cenário mais comum é o chamado “esporádico”, quando não há outros casos na família.
O diagnóstico definitivo costuma ser feito logo após o nascimento, ao se observar a paralisia facial e as dificuldades para sugar ou mover os olhos. Em alguns casos, sinais podem aparecer já no pré-natal, especialmente quando exames de ultrassonografia identificam alterações associadas, como deformidades nos membros ou ausência de movimentos faciais do feto.
Quais são as características?
As manifestações mais comuns incluem:
Ausência de expressões faciais (o rosto parece sempre “parado”)
Dificuldade para movimentar os olhos lateralmente
Problemas para amamentar e engolir nos primeiros meses
Dificuldades na fala e na mastigação
Possível atraso no desenvolvimento motor e/ou da fala
Algumas crianças podem ter alterações nos membros (como dedos a mais ou a menos) ou no formato da língua e do palato
Estrabismo
Olhos secosFraqueza de membros superiores e inferiores, principalmente quando a síndrome coexiste com o pé torto congênito
Vale destacar que o QI não é afetado. A inteligência costuma ser preservada e muitas crianças têm bom desenvolvimento com os estímulos adequados.
Existe cura?
Não existe cura para a síndrome de Moebius, mas há vários tratamentos que melhoram muito a qualidade de vida. Confira:
Fonoaudiologia: para melhorar fala, deglutição e musculatura oral
Fisioterapia e terapia ocupacional: para estímulo motor e coordenação
Oftalmologia: uso de colírios, óculos ou cirurgia para proteger os olhos
Cirurgias corretivas: como a chamada “cirurgia do sorriso” (transposição muscular) para
devolver movimento ao rosto ou a cirurgia para corrigir a fissura palatina
Psicologia: para acolhimento emocional e adaptação social
Acompanhamento genético: especialmente nos casos com suspeita hereditária
A estimulação precoce é fundamental para crianças com síndrome de Moebius, pois ajuda a prevenir atrasos no desenvolvimento motor, na coordenação e na fala. Também melhora a capacidade de alimentação — facilitando a deglutição e a sucção —, reduz complicações ortopédicas e visuais, possibilita o diagnóstico precoce de outras alterações associadas e favorece a integração social e escolar. Esses avanços refletem diretamente no bem-estar emocional e na autoestima, tanto da criança quanto de suas famílias.
Em alguns casos específicos, a prevenção também é possível. Quando há uma causa genética conhecida, pode-se oferecer aconselhamento genético reprodutivo e, em situações indicadas, recorrer ao diagnóstico genético pré-implantacional (PGT-M) para evitar a transmissão em futuras gestações.
A conscientização sobre a síndrome é essencial. Ela reduz o preconceito, fortalece a empatia e amplia o conhecimento da população sobre a condição. Além disso, favorece o diagnóstico precoce — fator decisivo para o bom desenvolvimento do paciente —, estimula a criação de políticas públicas de apoio às famílias, incentiva pesquisas científicas em torno da síndrome, por ser uma doença rara, e ajuda a dar voz às famílias e aos grupos de pacientes.