Com a queda da patente da semaglutida (composto do medicamento Ozempic) no Brasil prevista para março de 2026, empresas se movimentam para produzir suas versões similares do remédio e consumidores ficam na expectativa pela redução no preço da venda das canetas emagrecedoras de aplicação semanal. Ao mesmo tempo, a Novo Nordisk, detentora da patente, pede mais prazo na Justiça.
Segundo a Novo Nordisk, a proteção patentária da semaglutida é um ativo global, com prazos que variam conforme a legislação de cada país. Nos EUA, o tempo de validade da patente da semaglutida tem proteção prevista até pelo menos 2032, enquanto na União Europeia a proteção está prevista até pelo menos 2031 na maioria dos países.
A lei brasileira garante 20 anos de proteção para uma patente, contados a partir da data do depósito do pedido, mas a Novo Nordisk afirma que houve demora de mais de 13 anos do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) em analisar o pedido.
"Na prática, isso significa que, dos 20 anos de exclusividade previstos em lei, teremos apenas 7 anos de exclusividade para recuperar um investimento bilionário em pesquisa e desenvolvimento. É uma distorção que pune a inovação e a dinâmica cria uma completa falta de previsibilidade para empresas realizarem investimentos arriscados, grandes e de longo prazo em pesquisas de medicamentos", diz em nota Ana Miriam Dias, diretora jurídica da Novo Nordisk no Brasil. "O que buscamos na Justiça não é uma 'extensão', mas sim a recomposição do tempo de exclusividade que nos foi subtraído."
Enquanto isso, as farmacêuticas EMA, Hypera e Biomm se preparam para entrar no mercado de produção da semaglutida e, assim, abocanhar uma fatia do mercado brasileiro de canetas emagrecedoras. Relatório do BTG Pactual com dados da IQVIA aponta que o mercado de canetas emagrecedoras no Brasil deve movimentar mais de R$ 5 bilhões por ano em 2025. Hoje o tratamento mensal com Ozempic custa cerca de R$ 1.000.
"A EMS prevê iniciar a produção da semaglutida no primeiro semestre e disponibilizar o medicamento no mercado antes do início do segundo semestre. A empresa já se prepara para esse movimento, com investimentos recorrentes em P&D e ampliação da capacidade fabril", diz em nota.
A empresa afirmou ainda que não é possível estimar o preço neste momento. "O que podemos afirmar é que a EMS seguirá a mesma lógica adotada com a liraglutida e oferecer uma alternativa competitiva frente aos medicamentos de referência, buscando ampliar o acesso dos brasileiros a essa medicação."
A EMS lançou suas versões de medicamentos similares com liraglutida, composto de Victoza e Saxenda, também da Novo Nordisk, indicados para diabetes tipo 2 e obesidade, respectivamente. São eles Linux para diabetes e Olire para obesidade, vendidos a preços que variam de R$ 307 a R$ 760 (dependendo do número de canetas), valores cerca de 15% mais baixos.
Segundo o Ministério da Saúde, a entrada de genéricos no mercado garante preços de 30% a 40% menores, além de estimular a concorrência, ampliar o acesso da população a tratamentos de qualidade e fortalecer as condições para a incorporação de novas tecnologias ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Procuradas pela reportagem, Hypera e Biomm não quiseram se pronunciar, mas, de acordo com reportagem da Reuters, o CEO da Hypera, Breno de Oliveira, disse que a empresa está trabalhando para lançar sua versão do Ozempic assim que a patente da semaglutida expirar.
Ele afirmou ainda que os preços não devem ter uma queda tão dramática como de outros remédios genéricos devido aos altos custos de produção e à menor disponibilidade das canetas para aplicar o medicamento.
Já a Biomm anunciou um acordo de licenciamento e suprimento com a indiana Biocon para comercializar sua versão do Ozempic no Brasil, também segundo a Reuters.
Mas mesmo a queda da patente da semaglutida e a entrada no mercado de versões similares do Ozempic a preços menores do que os praticados hoje não devem fazer com que esses remédios emagrecedores sejam disponibilizados no SUS.
Em agosto, a Conitec (Comissão Nacional de Incorporações de Tecnologias no SUS) decidiu não incorporar a liraglutida e a semaglutida para o tratamento de pessoas com obesidade com maior risco (com diabetes e evento cardiovascular prévio) e contraindicação para outros medicamentos, alegando alto custo.
A incorporação da semaglutida foi solicitada pela farmacêutica Novo Nordisk, e a da liraglutida foi requisitada pelas sociedades médicas Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes) e Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Em nota, as sociedades criticaram a decisão. Afirmam ainda que no total há seis medicamentos para tratamento da obesidade aprovados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), incluindo remédios de baixo custo, como a sibutramina, mas nenhum deles está disponível no SUS. Completam a lista orlistate, naltrexona com bupropiona e as canetas emagrecedoras.
"É preconceito não enxergar a obesidade como uma doença complexa que sabidamente causa diabetes, hipertensão, câncer, depressão, artrose, gastos com próteses de joelho e quadril. A população está desassistida. Pacientes saem das consultas no SUS de mãos abanando. Não adianta só falar para comer menos. Ninguém vai atender um hipertenso e apenas falar para ele comer menos sal. Temos que oferecer um tratamento realmente eficaz e como sociedade lutar por isso. O mote da nossa campanha pela incorporação desses medicamentos no SUS é — quem pode pagar emagrece, quem não pode adoece", afirma Clayton Macedo, diretor da SBEM.
Questionado pela reportagem sobre o SUS não oferecer nenhum medicamento para obesidade, o Ministério da Saúde afirma que para enfrentar a obesidade "desenvolve ações integradas por meio do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis 2021—2030. O plano tem dois objetivos principais: reduzir os índices de obesidade entre crianças e adolescentes e conter o avanço da doença na população adulta, com medidas que abrangem desde a atenção primária até a assistência especializada".