Fernanda Alves / Ascom PM-AL
Manhã de uma terça-feira. Um terminal de passageiros sendo evacuado às pressas. Voos interrompidos, passageiros e funcionários atemorizados diante de uma ameaça de bomba. Um pacote suspeito aparentemente abandonado junto aos guichês. Cumprindo o protocolo de segurança, o aeroporto é esvaziado e o Esquadrão Antibombas do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar chega.
Com extrema cautela, os militares especialistas avaliam a situação e a suspeita de bomba é descartada. O que parece uma cena de filme foi uma situação real, ocorrida em 13 de setembro de 2022 no Aeroporto Zumbi dos Palmares, em Rio Largo, Alagoas.
O fato ocorreu no mesmo ano em que, segundo a Secretaria de Estado do Turismo de Alagoas (Setur), em plena retomada do setor após a pandemia da Covid-19, cerca de 50 mil pessoas embarcaram ou desembarcaram no terminal. Os números evidenciam o potencial de danos humanos que uma bomba, se confirmada, poderia ter causado.
Onze anos antes, um ataque suicida no setor de desembarque internacional do maior aeroporto da Rússia, em Moscou, deixou mais de 30 mortos e mais de 170 feridos. O mundo assistiu estarrecido. Felizmente, em Alagoas, tratou-se de um alarme falso, mas a ação rápida evitou um grande prejuízo financeiro, reduziu os danos emocionais e, o mais importante, preservou vidas.
Por definição, bombas são artefatos feitos para causar algum tipo de destruição, de forma intencional ou não. Qualquer objeto que tenha sido preparado, armado ou disfarçado com o propósito de provocar dano — seja por explosão, incêndio, estilhaços ou até a liberação de substâncias tóxicas, biológicas ou radioativas — pode ser considerado uma bomba.
Já a ameaça de bomba é a comunicação ou suspeita fundamentada da existência de uma bomba em um local, podendo ser falsa ou real. Em território alagoano, quando um alerta desta natureza surge, os explosivistas do Bope são convocados. A coragem, a técnica e a precisão entram em ação. O atendimento policial a esse tipo de ameaça segue quatro etapas principais: coleta de dados, análise de dados, decisão de desocupação e busca.
Missão: explosivista
O Esquadrão Antibombas do Bope da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL) é o setor responsável por atender ocorrências que envolvam o uso de artefatos explosivos ou a necessidade de intervenções visando eliminar ou minimizar o potencial risco oferecido por este tipo de artefato. Quem apresenta as especificidades dessa missão é um sargento com larga experiência.
Com quase 19 anos de serviços prestados à corporação alagoana, 11 deles como explosivista do Bope, o sargento Wagner Francelino é especialista e instrutor de cursos em Alagoas e já percorreu diversos estados brasileiros ministrando aulas em instituições coirmãs. O militar acumula diversas histórias de atuação em ações de prevenção e de resposta envolvendo explosivos. Ele é também o militar que está há mais tempo na função.
Ele diferencia as ações antibomba e contrabomba. A primeira é de caráter preventivo ou de reação imediata a um atentado. A atuação vai até o nível de localização ou caracterização da existência da bomba. É empregada visando segurança de pessoal e instalações e também pode incluir análise de atentados à bomba, buscas preventivas e localização de objetos suspeitos.
Já a ação contrambomba é de caráter repressivo. Trata-se de uma reação profunda a um atentado. Só devem ser realizadas por pessoal técnico e habilitado, pois envolve alto risco de vida. Os principais exemplos de ações contrabombas são identificação de objetos suspeitos, desativação de bombas e explosivos, perícia e investigação de atentados.
A rotina pode envolver medidas preventivas, como inspeções de rotina e varreduras em eventos com dignitários, além de ações reativas diante de ameaças iminentes. O sargento cita alguns exemplos de ações preventivas: visitas presidenciais; na recepção da Seleção de Gana na Copa do Mundo de 2014, quando Maceió foi escolhida como Centro de Treinamento da equipe ganense; em setembro de 2024, por ocasião da reunião G20, o principal fórum de cooperação econômica internacional, com a presença de autoridades de todo o mundo.
O militar elenca mais episódios de notoriedade na imprensa. Em janeiro deste ano, no dia 26, durante o jogo entre CSA e Náutico, a PM registrou três ocorrências envolvendo artefatos explosivos dentro e nos arredores do Estádio Rei Pelé, em Maceió. A primeira aconteceu durante a revista de segurança antes da partida, quando um artefato foi encontrado em um automóvel. O objeto foi removido com segurança, e o passageiro, integrante de uma torcida organizada do CRB, foi conduzido à Central de Flagrantes.
A segunda ocorreu por volta das 21h50, quando um jovem de 18 anos, junto à torcida do Náutico, lançou um artefato explosivo para fora do estádio, próximo à Cavalaria da PM. Ele admitiu a autoria e foi detido. A terceira situação foi identificada após explosões dentro do estádio, durante inspeção de veículos estacionados nas proximidades, quando um artefato foi localizado no porta-luvas de um carro; o condutor, de 19 anos, foi abordado e o material foi recolhido pela equipe especializada.
O militar recordou que, em novembro de 2022, três episódios foram marcantes: duas bombas e uma ameaça. No dia 10, um catador teve a mão amputada após explosão no Centro de Maceió. Ele recolhia latinhas descartadas quando houve a explosão. A suspeita é de que uma bomba caseira estava escondida no lixo. Passados 11 dias, três pessoas ficaram feridas após uma bomba caseira explodir em um canteiro de plantas na área externa do Hospital Geral do Estado (HGE), em Maceió.
No dia 27 do mesmo mês, ainda sob a tensão dos últimos acontecimentos, o esquadrão foi chamado para verificar um possível artefato explosivo deixado na entrada de uma agência no bairro do Farol, em Maceió. A área precisou ser isolada e quem passava por ali era orientado a manter distância.
O objeto em questão era um pote aparentemente comum, mas que poderia esconder algum tipo de ameaça. Como ninguém sabia do que se tratava, os policiais acionaram os responsáveis pela agência e solicitaram imagens das câmeras de segurança para tentar entender se o material havia sido esquecido por engano ou deixado intencionalmente. Horas depois, com a análise das imagens, foi constatado que o pote continha alimento e havia sido esquecido por uma família que esteve no local vendendo produtos.
Entre outras tantas ações, o sargento Francelino menciona uma de apoio ao Batalhão de Polícia Ambiental (BPA), em maio de 2024. No dia 08, a guarnição Bope Comando, juntamente com o Esquadrão Antibombas, foi acionada para prestar apoio ao BPA, que havia localizado uma fábrica clandestina de fogos de artifício na zona rural do município de Traipu. Na varredura, foram encontrados aproximadamente 46 quilos de pólvora, além de outros componentes utilizados para a confecção de explosivos. Todo o material foi removido para um local seguro, onde foi feita a destruição e o teste de eficiência (medição de energia e capacidade de detonação).
Um episódio recente é lembrado pelo sargento especialista, não apenas pela proximidade, mas pela proporção e número de vítimas fatais. No dia 7 de novembro de 2024, a explosão de um botijão de gás provocou o desabamento de um prédio no Conjunto Maceió I, localizado no bairro da Cidade Universitária, em Maceió, e resultou na morte de três pessoas: um homem de 57 anos, um menino de 10 anos e outro homem de 36 anos.
“Depois que a explosão acontece, a gente realiza o serviço de varredura para assegurar que não haja mais explosivos e, assim, garantir o trabalho dos bombeiros e peritos. Também prestamos suporte aos órgãos de investigação, como Polícia Civil e Polícia Científica. Para a Polícia Civil, seria a confecção de relatório com parecer técnico, que dá suporte ao inquérito. Outro trabalho essencial é o de suporte à Polícia Científica para a questão da preservação de vestígios”, completou o sargento.
Referência e integração
Alagoas tem se tornado doutrinadora na preservação de vestígios envolvendo explosivos. Muito se deve à união de esforços entre o esquadrão da PM e Polícia Científica (PolC-AL). A integração começou no ano de 2014, quando o perito criminal Gerard Deokaran foi nomeado para o Instituto de Criminalística (IC). Técnico explosivista, ele foi convidado para ser instrutor de alguns cursos e estágio no Bope.
“A partir dessa integração, as equipes do IC e do Bope começaram a desenvolver algumas práticas na parte de perícias de explosões e também de artefatos explosivos, resultando em operações com apreensões de explosivos e indiciamento dos autores”, esclarece o perito.
A doutrina padrão internacional estabelece que a primeira resposta em casos envolvendo explosivos deve ser feita pela unidade antibomba, idealmente com apoio da polícia científica. No Brasil, tem-se realizado um trabalho integrado entre peritos e esquadrões antibomba, com explosivistas treinados para preservar vestígios conforme as fases da cadeia de custódia previstas no Código de Processo Penal.
Essa colaboração tem gerado avanços significativos na produção de provas, incluindo estudos sobre DNA de contato, impressões digitais, e desativação de explosivos de forma a manter materiais intactos para análises forenses. O trabalho tem ganhado reconhecimento nacional e internacional, com o Estado de Alagoas representando a América Latina em eventos internacionais promovidos pela Associação Internacional de Técnicos e Investigadores de Explosivos (IABTI) por dois anos consecutivos e sendo convidada para dar cursos e palestras nos maiores congressos na área forense do Brasil: Congresso Nacional de Criminalística (CNC) e Conferência Internacional de Ciências Forenses (Interforensics).
Sem chances para falhas
“Com explosivo só se erra uma vez”. Conhecida como a Lei do Explosivista, a frase reforça que o preparo técnico, a cautela extrema e a atuação especializada são imprescindíveis. A máxima serve como alerta sobre os riscos envolvidos no manuseio de artefatos explosivos. Qualquer erro pode ser irreversível ou até fatal, sem margem para uma segunda chance.
A doutrina prevê que a equipe deve ser composta pelo explosivista principal, pelo explosivista secundário e por um terceiro integrante, o auxiliar. Determina ainda que somente um dos operadores se aproxime do artefato.
Traje antifragmentação
No trato com explosivos, a proteção individual do operador não é apenas importante. É vital. Desde 2024, o traje antibombas utilizado pelo Bope é o modelo EOD 10, da indústria canadense Med-Eng. O equipamento é do mesmo fabricante daquele utilizado no filme Guerra ao Terror (The Hurt Locker). No longa-metragem lançado em 2009, Jeremy Renner interpreta o sargento William James, líder de uma unidade norte-americana de Desativação de Explosivos que enfrenta os perigos do conflito no Iraque.
A sigla EOD significa “Explosive Ordnance Disposal”, que, em tradução livre para a língua portuguesa, equivale a “Eliminação de Artefatos Explosivos”. Alagoas conta com o que há de melhor e mais moderno no mundo atualmente, segundo o sargento Francelino.
Com proteção avançada contra sobrepressão, fragmentação, impacto e calor, de acordo com seu manual, o EOD 10 tem alta resistência à fragmentação, protegendo frente, traseira e lateral do corpo em 360º: tórax, abdome, pélvis, pescoço, face, cabeça, coxas, braços, pescoço, tíbias, pernas e pés. Possui também sistema de comunicação, comandos por voz, sistema de resfriamento corporal, proteção químico-biológica para ampliar a mobilidade e o campo de visão.
Quem faz a demonstração é o cabo Galba Verçosa. A complexidade é extrema: o próprio ato de se vestir exige o auxílio de outros dois militares. Somente a roupa pesa 37 quilos. Sobre a cabeça, o explosivista principal usa ainda o capacete e protetor facial, que tem em média 10 quilos. Com a paramentação concluída, Verçosa precisa se locomover e agir carregando quase 50 quilos de equipamento, além do peso do próprio corpo.
O traje é composto pela parte superior, que se assemelha a uma jaqueta – trata-se do painel de revestimento traseiro com protetor e sistema de ventilação. Há também o painel frontal da jaqueta com placa de proteção para pescoço, peito e virilha formando a jaqueta dianteira e conjunto de placa. A parte inferior conta com a calça e uma proteção para os pés, que cobrem a estrutura com proteção 360°. O traje conta também com tiras para aterramento (evitam a acumulação de eletricidade estática, protegendo o operador contra choques elétricos e incêndios).
Por trás de todo aparelhamento e da farda, existe o ser humano. Ao relembrar as ocorrências mais emblemáticas, o cabo destaca: “A suspeita de bomba no aeroporto foi marcante — tanto pela natureza da situação quanto por tudo o que envolve um ambiente aeroportuário. Também são bastante delicadas as ocorrências envolvendo artefatos explosivos ligados a torcidas organizadas, devido à sensibilidade do material, que apresenta alto risco de detonação ou deflagração. São situações complexas justamente por essa instabilidade dos artefatos”, recordou.
O combatente revelou como é viver o momento decisivo de estar, literalmente, diante do perigo. “Atender uma ocorrência de alta complexidade sempre nos deixa adrenalizados, porém, confiamos muito no nosso trabalho técnico aliado ao material que temos. Apesar de toda a adrenalina ali, da tensão e atenção exigidas pela situação, a gente consegue atuar com um nível de profissionalismo bem elevado”, refletiu o cabo.
O sargento Francelino deixou uma orientação aos cidadãos. “Ao localizar um objeto suspeito, o primeiro procedimento a ser adotado é seguir o princípio dos três ‘nãos’: não tocar, não mexer e não remover”. A orientação inclui ainda manter distância, acionar o esquadrão antibombas ligando para a PM por meio do número 190 (e a Central de Operações acionará o Bope), isolar a área, direcionar as pessoas para um local seguro e coletar possíveis informações.