A solenidade de posse dos 17 novos servidores efetivos da Câmara Municipal de Maceió, ocorrida ontem, na sede da Associação Comercial, foi marcada não apenas pela solenidade especial para os aprovados, mas por um discurso que escancarou práticas políticas ainda enraizadas no serviço público.
Ao assumir o microfone diante de um plenário lotado, o vereador Marcelo Palmeira (PL), coordenador do certame, fez revelações que, em qualquer momento, podem render investigações formais.
Com um misto de desabafo e orgulho, Palmeira relatou tentativas de interferência política durante a organização do concurso. Segundo ele, vereadores teriam pedido “uma vaga por cabeça”, sugerindo que, das 54 disponíveis, 25 deveriam ser destinadas a cada um dos parlamentares da legislatura passada.
“Recebi visitas, na minha casa, de vereadores, pedindo uma vaga. Eles me diziam: ‘tem 54 vagas, nós temos 25 vereadores [na legislatura passada], tem que dar uma vaga a cada um vereador’. Cheguei a ouvir isso”.
Pior: amigos teriam solicitado acesso às provas e aos conteúdos — um esquema de favorecimento que, segundo o vereador, é comum em certames de outras cidades do Nordeste. A denúncia foi feita em tom sério, mas revela o quão naturalizadas são as investidas contra a lisura dos concursos públicos.
Apesar de não citar nomes, o parlamentar admitiu que preferiu “levar tudo na brincadeira”, pois seria “caso de polícia”, como se o peso das propostas indecorosas não fosse suficiente para acionar o Ministério Público.
O silêncio diante de tentativas explícitas de fraudar o processo compromete não apenas a seriedade do concurso, mas também a confiança da população nas instituições, comentaram os presentes à solenidade.
Esse é apenas o segundo concurso público da história da Câmara de Maceió, o que por si só já revela a tradição do clientelismo e do apadrinhamento político na Casa. O primeiro certame, realizado em 2017, nomeou apenas quatro pessoas aprovadas. Agora, após um intervalo de seis anos e com mais de 7 mil inscritos, 54 candidatos foram aprovados, mas apenas 17 tomaram posse de imediato, em razão da burocracia documental.
O número modesto de nomeações iniciais também acende um alerta sobre o real compromisso da Câmara em incorporar esses servidores de forma plena.
Durante a cerimônia, o presidente da Câmara, vereador Chico Filho (PL), fez questão de ressaltar que o impacto financeiro dos novos servidores já estava previsto no orçamento anual da Casa, que gira em torno de R$ 120 milhões — ou 4,5% da receita corrente líquida do município. Mas a informação veio acompanhada da tentativa de se desvencilhar da responsabilidade pela realização do concurso, que ocorreu sob a presidência de Galba Neto (PL), hoje primeiro-secretário da Mesa Diretora.
O discurso político também procurou valorizar a pluralidade dos empossados. A vereadora Olívia Tenório (PP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, destacou a diversidade racial, religiosa e de gênero entre os aprovados. A fala é bem-vinda e reflete um dos objetivos centrais do serviço público: representar a população em sua totalidade. No entanto, a diversidade precisa ser acompanhada de políticas internas que garantam um ambiente de trabalho inclusivo e livre de assédio, o que não foi debatido na solenidade.
Outro ponto de destaque foi a participação do Ministério Público de Alagoas na organização do certame, como mencionado pelo procurador de Justiça Luiz Vasconcelos. A parceria institucional, embora louvável, também exige agora um papel mais ativo da instituição no que tange às denúncias veladas feitas por Marcelo Palmeira. O silêncio institucional diante dessas declarações seria, no mínimo, conivente.
SUPERAÇÃO
Entre os nomeados, histórias de superação chamaram atenção, como a do advogado Leonardo Miranda, primeiro colocado na vaga reservada a pessoas com deficiência auditiva. Com salário inicial de R$ 7 mil, Leonardo sabe que não poderá mais atuar em processos contra a Câmara, mas poderá seguir na advocacia privada. Sua presença reforça o potencial transformador de concursos públicos quando conduzidos com ética — uma exceção que não deveria ser exceção.