Gestantes com sífilis podem transmitir a doença para o bebê em qualquer momento da gravidez ou mesmo durante o parto. A chamada “sífilis congênita” acontece quando a bactéria Treponema pallidum atravessa a barreira placentária e penetra na corrente sanguínea do feto, levando a graves problemas de saúde para o bebê e, em alguns casos, ao óbito. Mas há tratamento disponível na rede pública que, se iniciado precocemente, pode barrar a transmissão para o feto.
Dados da Secretaria de Saúde de Maceió registraram 247 crianças acometidas pela enfermidade em 2021. O número inclui dois abortos e quatro mortes logo após o nascimento – intitulados natimortos.
A infectologista pediátrica Auriene Oliveira presta assistência diária a crianças maceioenses acometidas pela doença no Bloco I do Pam Salgadinho, no Poço. Segundo a médica, a sífilis congênita é um problema de saúde que pode comprometer muitos órgãos do bebê de maneiras, muitas vezes, irreversíveis.
"O Treponema pode chegar a atingir órgãos essenciais para o desenvolvimento adequado da criança. Os mais frequentes são o Sistema Nervoso Central, o Sistema Ósseo e a pele. Com a doença instalada, a criança pode apresentar problemas como fígado e baço aumentados, anemia, meningite, perda visual, audição reduzida ou surdez, podendo chegar até a óbito", disse.
A profissional ressaltou, ainda, que vem observando um aumento de casos considerável em Maceió - nos últimos anos - e alerta para a necessidade de prevenção e realização do pré-natal no período gestacional para conter o avanço de crianças infectadas.
“A prevenção deve ser a primeira preocupação de todos em relação à sífilis. O uso de preservativo é um gesto simples, mas que traz boa eficácia em relação ao surgimento de novos casos. No caso das gestantes, o acompanhamento de pré-natal faz esse papel preventivo em relação ao bebê porque será por meio dele que a pessoa fará os exames necessários para detecção da doença e, caso necessário, tratamento precoce para evitar contaminação do feto”, explicou a médica.
Beatriz Silveira (nome fictício), de 31 anos, leva seu bebê para ser atendido pela infectologista no PAM Salgadinho desde que recebeu alta da maternidade - há seis meses. O filho recebeu diagnóstico de sífilis congênita ao nascer. Momento que, para Beatriz, foi um dos piores de sua vida.
"Eu descobri a sífilis do meu filho já na maternidade, após o nascimento. Lá foi realizado o exame de sífilis e vimos o triste reagente. Começamos um tratamento que durou 10 dias, logo que recebemos o diagnóstico e, depois disso, fomos direcionados a receber atendimento aqui com a Dra. Auriene. Eu ainda estou extremamente triste com a situação e isso ainda mexe muito com meu psicológico, mas agradeço a Deus por termos encontrado tratamento rápido e adequado e tenho fé que vamos sair dessa com saúde", desabafou.
Doença silenciosa
A infectologista Auriene Oliveira alerta ainda para os casos em que as crianças não apresentam nenhum sinal de contaminação por sífilis. A profissional afirma que muitos pais deixam de realizar o tratamento adequado por não acreditar na gravidade da doença.
“A sífilis é uma doença que, na maioria dos casos, é muito silenciosa e pode levar muitos anos para se manifestar. Por isso, nem sempre a criança vai apresentar sinais e sintomas logo de início e esses são os casos que, frequentemente, nos trazem mais dificuldade para solucionar porque os pais começam a postergar o cuidado com a saúde da criança e só nos procuram quando o quadro está bem avançado”, informou.
Como ocorre o tratamento
Desde 2017, Maceió foi estabelecida pelo Ministério da Saúde como um dos 100 municípios brasileiros prioritários para atenção à sífilis congênita e, por isso, possui uma linha de cuidado específica para doença.
A detecção da sífilis congênita acontece ainda na maternidade durante o parto. Após o diagnóstico, a criança recebe tratamento no local e é direcionada para a unidade de saúde mais próxima de sua residência para acompanhamento.
Como local de referência nesse atendimento, Maceió tem o Bloco I, do PAM Salgadinho. Na unidade, crianças com sífilis congênita ou que foram expostas à sífilis durante sua gestação recebem acompanhamento com infectologista pediátrica, que faz avaliação periódica, além de encaminhamento de exames e solicitação de intervenção medicamentosa, se for o caso. Esse atendimento acontece após a criança ter recebido tratamento adequado na maternidade e dura em média um ano e meio ou até a criança estar totalmente fora de risco.
Pré-natal previne a doença
A maneira mais eficaz de prevenir a sífilis congênita no bebê está na realização do rastreamento da sífilis na gestante ainda durante o pré-natal. O acompanhamento é feito por meio de exames laboratoriais e teste rápido para detectar a sífilis, além de tratamento adequado, em casos reagentes para a doença.
A enfermeira Pryscilla Rodrigues, que atua na Unidade de Saúde José Pimentel Amorim, no Salvador Lyra, descreve como acontece o acompanhamento e o tratamento, quando necessário.
“Dentro do protocolo de atendimento das usuárias no pré-natal está a solicitação de teste rápido e exame de VDRL, que detectam a presença ou não da sífilis na mãe. Quando o resultado é positivo, iniciamos aqui mesmo o tratamento da doença com intervenção medicamentosa e posterior realização de exames para acompanhamento da evolução e melhora do quadro. Também enviamos, anexado ao cartão da gestante, um relatório detalhado para a maternidade onde a mãe irá dar à luz e solicitamos o retorno do bebê, após o nascimento, para acompanhamento especializado com nossa pediatra”, explicou Pryscilla.
A profissional garante já ter atendido muitas gestantes com sífilis que alcançaram a cura da doença após tratamento na unidade e, aproveita para fazer um alerta. “A sífilis é uma bactéria perfeitamente tratável e curável, mas que se não tratada em tempo hábil pode trazer consequências muito sérias ao feto. Por isso, sinalizamos sempre para a importância do pré-natal para a plena saúde da mãe e do bebê.”
O serviço de pré-natal é ofertado em todas as Unidades Básicas (UBS) e Unidades de Saúde da Família (USF) de Maceió. Para ter acesso ao atendimento nas UBS, basta que a usuária se dirija aos locais, portando comprovante de residência, cartão SUS e identidade. Já em USF, são atendidas as gestantes cadastradas no local, ou seja, que fazem parte das áreas com cobertura da estratégia na cidade.
Unidades e Centro de testagem para detecção da sífilis
Maceioenses podem fazer testagem para detectar sífilis, HIV e hepatites virais em todas as unidades de saúde da capital. A capital conta, ainda, com o Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), que também funciona no Bloco I do PAM Salgadinho e realiza testes rápidos em demanda espontânea (sem precisar de agendamento prévio), de segunda a sexta-feira, das 7h às 12h e das 13h às 17h.
Para ter acesso ao serviço, basta comparecer nos dias e horários descritos, portando documento de identidade, comprovante de residência e cartão SUS. Nos casos de pessoas em situação de rua, que não apresentem documentos pessoais, o teste, ainda assim, é realizado e o resultado, liberado.